terça-feira, agosto 11

Transferindo para o medium.com, 
porque as últimas folhas também caem.

domingo, agosto 9

XIII. Podia


Tivemos tempo e nos roubamos, contrabalanceamos uma ventura que não era possível ser nossa. E como poderia? Míseros, mesquinhos, pequenos e enfadonhos como somos, que possibilidade havia de aquele fragmento momentaneamente incompreensível de alegria ser aquilo que chamam de felicidade?

Não, felicidade é plena e eterna - se dizem, não pode ser inverdade -, é a dádiva dos que merecem, dos fortes e perseverantes, não dos inconstantes, dos confusos, dos amargurados pela vida e desgostosos com a espécie humana. Não podia ser real, não podia ser nosso. Eu, especialmente não merecia algo tão bom assim. Incomodava-me tal como me sinto ao entrar errado na fila sem perceber, percebendo somente aos poucos, ao observar como todos ao redor me olhavam, me julgavam, até que eu própria me julgasse culpada também, imunda por furar a fila e estar onde não merecia. 

Mas você merece, e merece muito mais que eu, com certeza. Você é forte, é único, independente e tem uma imaginação incrível, seu potencial excede muito a falta de tudo o que vejo em mim. Talvez por isso sabotei aquela mentira. Porque, na dúvida, ela não podia ser verdade. 

Podia?

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quarta-feira, julho 15

XII. Cura


Grandes crescimentos populacionais sempre foram intercalados por equivalentes depressões naturais, reações inexplicáveis de algo ainda mais inefável para curar algo que não se encaixava muito bem nas condições de normalidade com as quais nossos recursos, meios e leis são capazes de lidar sem perdas ou prejuízos. Em observância de regra, aquilo que anormalmente desenvolve-se passa de remédio a doença.

Um hábito reiterado é identificação pessoal, um hábito coletivo reiterado é costume; mas um hábito reiterado descontroladamente é mania, vício, enquanto o coletivo é histeria, massificação de controle. A dose excessiva de um remédio intoxica e o uso exacerbado de Deus caracteriza o fanatismo. Aquilo que alimenta e abastece o corpo com a energia necessária para continuar a seguir em frente igualmente pode aviltar-se, envenenar o sangue e inchar o tecido adiposo até que não se consiga ânimo, moção ou vontade de locomover-se. Mesmo a aquisição de bens por capricho ou necessidade arrisca-se à conspurcação do colecionismo ou do consumismo degenerado. E, por analogia - sempre por analogia - há eu; que com muito eu, exagerado, monocêntrico e megalomaníaco dessa forma, também sou doença. Assim como o mundo, talvez, se exagerou ao nos multiplicar como uma praga incontrolável e aguarda, também como eu, o alvorecer de um inexplicável, inefável - e provavelmente trágico, mas necessário - momento de cura.


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terça-feira, julho 14

XI. Meio


Enquanto metade execra tudo o que sua mera imagem representa, a outra insiste em acreditar que algo de bom, útil, eficaz e nobre ainda irrompa dessa casca pífia de memórias aviltadas que apenas concretizam presentes insuportáveis como e com você.

São meios interessantes de me manter distante e minimizado. Meios perigosos de me estabelecer solto, quando o resto do mundo já não parece tão opressor; ou ainda o é, com a diferença de não mais inexistir na minha ausência de alma a faculdade de revidar.

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sábado, maio 30

X. Cor


O que abandona a face abatida pelo cansaço e o que descasca das unhas sempre que o tempo vence os pequenos compromissos adiáveis, aquilo que pinta a face dos guerreiros mais destemidos e também flamula inerte nas bandeiras sobre caixões dos que jamais retornaram do campo de batalha. Espectros refletidos de uma única fonte, multifacetas da própria incapacidade de perceber tantas faces a mais, limitada por olhos também pigmentados e mentes que, coloridas, compõem tela hostil e encantadora em vermelho, preto e branco (entre outras mais, não vistas) de surrealidade cotidiana.

Se na natureza reside perigo nas cores aberrantes do predador tal como há falso aviso na caleidoscópica carapaça defensiva da presa, de que lado da emboscada encontro-me quando tudo o que vejo é cor sua?

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quinta-feira, maio 28

IX. Distração



Terno é o coincidir de eventos que juntos formam menos o aglomerado de satisfações necessárias e mais configuram-se como o conjunto de possibilidades tão insistentementes complexas que findam aceitas, como se firma um tácito acordo entre a solidão previamente resignada e um desejo de companhia recém-nascido de uma cadeia incontrolável de encontros controláveis.

É a definição mais próxima do que ocorre quando você me distrai: todo o resto começa a parecer distração.


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segunda-feira, abril 6

VIII. Dia


Dia de chuva, fraco, dissonante com a realidade e perdido em pensamentos. 
Há horas em que uma gota cai do olho, e mesmo assim a impossibilidade de determinar onde termina a chuva e começa o eu é trovoada que vem assim, de uma vez, ressoa como uma memória velha - e boa - que passa no instante seguinte.

Nada diferencia um dia escuro da noite que o sucede. Nesses dias o dia não se finge bonito. Nesses dias há consonância, há eu.

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